domingo, 19 de maio de 2013

O DEBATE SOBRE A MAIORIDADE PENAL


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Texto 1: Reduzir a maioridade penal é confissão de culpa do Estado

Ninguém seria contra o aumento das punições se os governantes tivessem cumprido suas obrigações legais no trato da infância brasileira.
Por Herson Capri

Depois de um homicídio executado por um menor de 18 anos em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) enviou ao Congresso um projeto de lei que amplia a punição para menores que praticarem delitos graves. O secretário de Segurança Pública do Estado, Fernando Grella, acha isso necessário “para proteger o cidadão de bem”. Ambos querem alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, um conjunto de normas de proteção aos menores, com respaldo internacional e da ONU e considerado uma das leis mais avançadas na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Alckmin e Grella preferem modificar essa lei a realizar políticas públicas de inclusão de crianças e adolescentes carentes exigidas pelo mesmo estatuto e que, com certeza, reduziria em muito os crimes praticados pelos jovens. Pelo posicionamento do governador de São Paulo e do seu secretário de Segurança, o “cidadão de bem”, aquele da classe média ou alta, engravatado, totalmente inserido no nosso contexto social, merece a proteção do Estado, já o menor abandonado, sem nenhuma condição de viver dignamente e que por isso acaba caindo na marginalidade, não merece a mesma atenção.
Há também movimentos para reduzir a maioridade penal. Essas alterações no ECA, se acontecerem, irão atingir principalmente aquele segmento já excluído que vive à margem da sociedade. A criança e o adolescente de classe média ou alta, a minoria, tem boa alimentação, uma educação muito melhor do que a da escola pública, a presença constante de familiares, tem acesso às informações, à cultura, ao lazer, enfim, à dignidade. Coisas que fazem a diferença e que não estão presentes em medida aceitável nas classes mais baixas nas quais os pais estão lutando pela sobrevivência, ou muitas vezes desempregados, às vezes optando por atividades ilegais, e os seus filhos ficam à deriva nas escolas públicas ainda deficientes e à mercê de oportunidades lucrativas, porém espúrias. Esses jovens mais pobres são a maioria e se deparam com uma política pública quase nula para essa faixa de idade, com poucas exceções. Essa exclusão fica bem clara com a constatação de que 92% dos municípios brasileiros não têm cinema, nem teatro, nem museu. Então aonde o jovem vai se expressar, se manifestar, adquirir cultura e se enturmar de forma saudável?
Se em alguns países a maioridade penal se dá em idade menor do que a nossa é porque há políticas públicas eficientes, o jovem tem amparo de fato por parte do Estado. No nosso caso há a previsão na lei, mas não há o fato. Segundo o Art. 4º do ECA “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
A questão mais importante não é a idade penal ou a pouca punição. A proteção dos jovens vítimas do abandono é, reconhecidamente, o melhor caminho para se evitar a delinquência juvenil. Se houver a redução da maioridade penal ou alteração nas penas já estabelecidas, estaremos tapando o sol com a peneira e eximindo a sociedade e o poder público de qualquer culpa. E a culpa maior é do Estado, que não cumpre a lei. Ninguém seria contra a redução da idade penal ou o aumento das punições para menores delinquentes se os governantes tivessem cumprido com as suas obrigações legais, se houvesse democracia de fato para essas crianças.
A sensação que fica nestas tentativas de modificar uma lei exemplar é a mesma dos nazistas: se os judeus supostamente atrapalham a economia, morte aos judeus. Ou como aconteceu no Rio de Janeiro, numa certa época: os mendigos estão poluindo o visual da cidade, prendam-se os mendigos. Ou como no massacre do Carandiru: os presos empilhados em condições desumanas se revoltaram e... Deu no que deu. Massacre. A solução mais fácil, mais burra e mais cruel.
Chama atenção o argumento de que a criminalidade dos menores está aumentando gradativamente nos últimos anos. Como se esse aumento fosse uma mostra da necessidade da redução da maioridade penal. Essa não é uma análise do fato com a retidão necessária. É claro que a criminalidade do menor está aumentando, mas é claro também que o motivo é o abandono, que só aumenta. Preferem investir maciçamente em segurança. Para eles, faz muito sentido.
Realmente, ao se cuidar da infância pobre, de concreto e de imediato não se ganha nada do ponto de vista material e pouco do ponto de vista eleitoral. Mas se é esse o objetivo de um político, de um governante, obter vantagens, que se reduza a maioridade penal e que se aumente a penalização dos nossos adolescentes. Seria até melhor declarar em alto e bom som: as crianças e adolescentes que não tem condições de ter uma boa vida, que se lixem!
Pois é o que alguns adolescentes estão fazendo: eles estão se lixando! O feitiço está virando contra o feiticeiro. Se os “homens de bem” não fizeram o dever de casa, como exigir que menores esfomeados e desesperados façam os seus?
Herson Capri é ator.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/reduzir-a-maioridade-penal-e-confissao-de-culpa-do-estado (publicado em 07/05/2013)


TEXTO 2: Maioridade penal e discernimento
Por: ROGÉRIO GANDRA MARTINS

O ponto de partida dos debates sobre a redução da maioridade penal é o Direito.
Nossa Constituição consagrou no artigo 14 que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...) sendo o direito ao voto facultativo aos maiores de 16 anos e menores de 18".
Por outro prisma, a Constituição estabeleceu em seu artigo 228 que "são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial".
A legislação especial a que faz menção o artigo veio a ser promulgada pouco após a Constituição: O Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90), que tratou no campo específico do menor infrator o estabelecimento de "medidas socioeducativas" como formas de "penas" pelos atos praticados.
Comparando o tratamento conferido ao menor caso cometa algum ato contra a lei e a gama de direitos ao mesmo conferidos, noto uma verdadeira esquizofrenia legislativa.
O Código Civil de 2002, por exemplo, estabelece que o menor pode dispor sobre seu patrimônio por testamento, ser mandatário em atos jurídicos, entre outras conquistas.
Quando se verifica que o menor pode por si só entender as complexidades de um contrato de compra e venda, mas não consegue "discernir plenamente" o que é um homicídio ou não, e caso o pratique será totalmente inimputável, conclui-se que há uma profunda discrepância entre como os outros campos de direito cada vez mais veem o "menor" como apto a conhecer a realidade de direitos e deveres e a legislação penal, datada de 1940, que ainda o vê com ares de total falta de discernimento, tratando-o como uma criança de 2 anos!
Ainda do ponto de vista jurídico, não compartilho do entendimento segundo o qual a inimputabilidade penal ao menor de 18 anos seja uma cláusula pétrea da Constituição e, portanto, imodificável. O Direito deve ser revisto de forma urgente, caso contrário, continuará letra morta na questão da maioridade penal.
O tema quebrou as barreiras de questionamentos acerca de classes sociais. Barbáries são perpetradas hoje por jovens de todas as classes e a todos é necessária imperiosa repreensão estatal.
Reconheço que a diminuição da maioridade penal não resolverá em absoluto os problemas da criminalidade. Mas, uma vez aprovada, grande parte dos "menores sem discernimento" parará para pensar antes de cometer atrocidades.
Não podemos ser ingênuos a ponto de imaginar que um menor que pratica um ilícito não sabe de todo o aparato de benesses que o espera. No máximo uma condução a um estabelecimento especial, com a aplicação de uma medida socioeducativa, prazo de permanência ínfimo, bem como um período de prescrição da conduta mínimo.
Se adotada a medida, as técnicas do crime organizado de usar a infantaria dos "menores inimputáveis" na primeira linha do front de guerra, a fim de que os "de maior" sejam poupados para operações de grande vulto, seriam razoavelmente diminuídas.
O problema da criminalidade no país só será realmente analisado caso se pratiquem contundentes medidas interdisciplinares. Um elevadíssimo investimento em educação de altíssima qualidade, aparelhamento e condições efetivas para que as polícias possam de fato prestar segurança à população, uma verdadeira revolução em termos de políticas públicas a fim de retirar as populações menos abastadas dos níveis de miséria e não as algemas eleitorais de parcas bolsas família e tantas outras bolsas.
Se 93% da população brasileira é favorável a essa redução, o mínimo que a ela se pode ofertar é a possibilidade de exercer sua cidadania por um plebiscito.
Ou se toma uma atitude condizente com a realidade brasileira, ou o que se poderá falar amanhã para o pai ou mãe de um filho vítima inocente de um homicídio com requintes de crueldade? Será que aceitarão as palavras "Tenham pena do garoto, não sabe ainda o que faz"?

ROGÉRIO GANDRA MARTINS, 43, advogado atuante em direito público, é membro do conselho superior de direito da Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo)

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/05/1277461-rogerio-gandra-martins-maioridade-penal-e-discernimento.shtml (Publicado em 13/05/2013)

3 comentários:

  1. Concordo, o governo precisa aplicar medidas a longo prazo, como a melhoria da educação e das condições de vidas dos jovens mais carentes. O intuito deve ser reduzir a criminalidade, e não mudá-la de lugar, das ruas para um presídio.

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  2. No Brasil, um menor, com 16 anos pode votar, escolher a pessoa que irá administrar o país, mas não é considerado responsável por seus atos, ta certo isso? Não existe um despropósito nisso? Ou é uma jogada política para termos corruptos no governo? Se não são responsáveis por seus atos, como podem votar? Sou a favor da diminuição da idade penal para 16 anos e, conforme o crime, não importa a idade do menor (como em alguns países desenvolvidos), ele responda com maior.

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  3. Sou completamente contra.
    Cadeia deveria ser uma forma de socializar novamente o ser humano. Após a pena paga, ele deveria sair certo de que não cometeria novamente aquela infração. No Brasil acontece completamente o inverso disso, a pessoa sai ainda mais violenta do que nunca. Um jovem de 14 anos dificilmente é o mandante ou quem planeja o crime, ele é apenas o bode expiatório.
    Maiores de idade usam os menores para cometer os crimes para não irem presos. Do que adiantaria baixar essa pena? Um jovem de 14 anos que vai preso perde completamente esperança de ter um futuro, e os verdadeiros criminosos por trás deles só vão procurar rapazes e moças ainda mais novos para servir de cobaia. Se a idade menor é 14, eles procurarão de 13/12. Isso não vai resolver o problema. Talvez o torne até maior e incontrolável.

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